A Minha Mais Secreta Covardia

    Quem me conhece há mais tempo já deve ter me ouvido mencionar em alguma dessas conversas, sobre a certeza que eu tinha, enquanto jovem, de que iria morrer cedo. Eu não sei em que ponto da infância tomei conhecimento razoável do que era a morte. Me lembro bem é dos efeitos que tal consciência causou. Em primeiro era um temor. Pensar na mortalidade de quem eu amava, me apavorava. Todo abraço que eu dei na minha mãe durante um período da infância tinha um quê de medo e desespero. Se eu a apertava forte era por ter descoberto que um dia a perderia. O outro efeito é mais estranho e menos natural, especialmente para uma criança; pois eu senti sinceramente que não viveria muito. Eu era tão frágil e o mundo era tão poderoso.Todos pareciam tão adequados e tão bem preparados para enfrentar uma vida longa, mas eu não. Eu não suportaria!, nem a perda, nem o fracasso, nem o julgamento e nem tudo isso que a  vida, inevitavelmente, é. Eu confiei tanto nesse instinto que passei a viver uma vida sem amanhã. Sem planos longos e sem afetações bobas. Valorizei mais todas as pessoas que eu conheci e sorvi com o máximo de minúcia cada experiência simples. Eu aprendi que era importante perdoar, então sempre perdoei. Fiz um sem número de concessões pra nunca afastar qualquer pessoa boa. Olhei pra tudo com os olhos maravilhados. Fui um expectador atento das tramas do ser humano,e deixei registros das coisas que vi e senti em poesias largadas pelo caminho.
    É incrível quanta experiência maravilhosa e quantos valores importantes cultivei por causa dessa injustificável expectativa de morte.
   Assim, eu vivi uma boa vida.  Estive a salvo dos meus maiores medos ( a minha morte nunca esteve entre eles). Pois eu, diferente dos outros, não precisaria me explicar tanto ou mesmo me entender tão bem. Enquanto todas as pessoas precisavam crescer e enfrentar suas batalhas, seus monstros, eu estava preocupado em não me preocupar. Eu não enfrentaria nada. Eu não perderia ninguém! E quando eu precisei fantasiar algum momento em que a minha vida faria sentido e em que fosse possível medir o quanto eu havia acertado, eu não imaginava meu casamento ou minha formatura, como é mais comum. Eu imaginava o meu enterro. A comoção e o número de amigos que estariam presentes. É mórbido, mas eu visualizei isso muitas vezes. E muitas vezes eu apenas condicionei a minha existência a um comportamento exemplar. Ser correto quase sempre me pareceu mais louvável do que ser pleno. Viver pouco, mas ser merecedor de consideração e no final, ter sido querido pelas pessoas que me conheceram.
   Mas não aconteceu. Eu não morri! E agora refazendo os cálculos com a probabilidade de uma vida longa , tenho que admitir uma coisa crucial: eu não achei que eu iria morrer cedo; eu quis morrer cedo! Numa noção precoce do que era  dor, e perda, e solidão, eu senti uma inaptidão para enfrentar o futuro. Eu não estava preparado.
    Foda admitir, mas tudo não passou de uma ilusão nascida da fraqueza e da covardia. Esta fábula que eu criei em que eu viveria uma vida curta e descomplicada, já se desfez. E novamente eu me enxergo diante de um caminho longo demais. Novamente eu preciso de força pra sair do quarto. Novamente eu me abraço aos joelhos.
    Agora eu percebo que eu tenho que correr a maratona toda. Que não vou ser poupado.Tenho que trilhar todo o caminho da dúvida. Tenho que me despir diante dos olhos que sempre evitei e tenho que construir pra mim algo que dure, trabalhando com a possibilidade de que minha construção caia, de que minha máscara se dissolva. E tenho que me doar completamente, e tenho que saber que talvez, depois de tudo isso, eu vá estar sozinho.
    Novamente parece coisa demais pra eu lidar. Mas parece que eu não deva mesmo morrer me devendo algumas experiências e respostas. Mesmo as que vão me fazer sofrer muito.
    O lado bom da vida eu já vi e já entendi bem. É hora de crescer de vez e encarar o outro.

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