Não Estávamos Prontos!

   Eu já havia lido em algum lugar sobre a criação dos emojis multiétnicos para o Whatsapp e outros aplicativos. Desconsiderei na época, pois não vi ali conquista alguma e nem relevância na discussão racial. Sou um ser humano e, naturalmente, batalho pelo meu espaço e pelos meus direitos. E sou negro também, então para mim a discussão racial está mais para "condição" racial. É uma constante na minha vida e estou bem ciente das coisas positivas e negativas em que isso implica.
   Sou uma criatura pacífica e conciliadora por natureza, então a minha maneira de diminuir os efeitos  da cisão entre as pessoas de diferentes raças ou diferentes sexos, opções ou ideologias, é sempre a do diálogo, da empatia e da convivência. Acho que o melhor tipo de comunicação se dá, quando nos aproximamos a tal ponto que podemos perceber o que há além do exterior. Minha roupa e minha pele me vestem e ajudam a  contar sobre a minha história e as minhas experiências, mas não são nem de longe as coisas que me definem.
    Pois bem, quando o meu aplicativo se atualizou e eu vi a possibilidade de usar as carinhas e as mãozinhas negras, eu achei de uma inutilidade divertida e imediatamente coloquei a mão ao lado do celular pra ter certeza de usar o tom de negro mais aproximado ao da  minha pele. A partir dali todos os meus "oqueis" e "tchaus" e "positivos" se tornaram negros. Eles têm o mesmo significado de antes e eu os aplico nos mesmos contextos e, por um momento, eu achei legal ver que as conversas nos grupos ficarem mais coloridas. E sim, embora eu achasse irrelevante de início, tinha algo de representação, algo de autoafirmação ali.
   De repente, eu senti um incomodo. Eu agora começava a contar os amigos negros de cada grupo e analisar se acertaram o tom de pele que escolheram. Ou no porquê de alguns, sendo negros ou índios, não trocarem seus emojis. Pensei que os amigos brancos não tinham escolha senão continuar com os emojis brancos e que se talvez decidissem mudar poderiam ser mal interpretados. Pensei se algum deles teve essa consciência  ou esse cuidado. Percebi que essa especificação da raça de cada um nas conversas informais do meus grupos virtuais, criavam mais um hiato na nossa comunicação. O mundo infelizmente é sim um lugar onde as pessoas são divididas também por suas raças. Poucos são os espaços em que podemos ignorar isso e quando tivemos algum, acabamos com a isenção de referência racial nele.
   Não sei em que isso pode prejudicar ou ofender alguém, mas a carinha amarela sorridente sempre me representou bem quando eu estava alegre. Seu sorriso representava o meu estado interior. Importa a cor da carinha?
    Talvez seja isto de "problematizar" que a galera tanto fala e que eu detesto ouvir. Talvez seja como aquela grande bagunça que a gente tem que fazer na casa, arrastando tudo do lugar e tirando a sujeira de onde nem se sabia haver, pra daí começar a faxina. Talvez seja necessário vomitar tudo que tá indigesto antes de começar a se curar. O fato é que essa mudança banal, causou algum efeito em mim e efeitos muito maiores em alguns conhecidos meus, que pareceram ou indignados ou orgulhosos além da conta.
   Hoje em dia, parece que não é muito bem vista a pessoa que consegue ignorar a cor dos seus amigos e dos seus inimigos; dos seus amores  e dos seus desafetos.O mundo não sossega enquanto não sublinha bem essa diferença. É possível que eu tenha dado muito crédito a um detalhe quase desprezível, mas isso de falar de racismo com tanta despreocupação é algo que a minha negritude me permite. Perceba quanto cuidado eu precisaria ter se, pensando exatamente como eu penso, eu por acaso fosse branco. Neste caso, as carinhas importam.
   Há um interesse mercadológico em levar mais e mais pessoas  de todo tipo a consumirem estes aplicativos. Mas pode bem  ser que no meio disso tenha havido uma boa intenção. Uma tentativa de inclusão e de justiça. Infelizmente as cores ainda se estranham e se contrapõem. Há ainda um sub-texto de diferença mais do que de distinção.
   Eu gostaria de mais cores de emojis: verdes, azuis, vermelhos, rosas... nos representando como somos e nos sentimos por dentro. Mas como podemos pensar nas pessoas como aquarelas, se o branco e o preto ainda estão tão mal resolvidos?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os Museus do Futuro

Vamos cuidar uns dos outros!