As Dezenas de Vezes Que Te Perdi


  Hoje eu sinto necessidade de escrever sobre estas duas coisas diferentes. Diferentes não; talvez opostas ou divergentes. Uma delas se torna óbvia, pois marcou tragicamente a minha semana. A outra é uma coisa sutil, mas que no mesmo momento trágico, foi forte e presente. Igualmente marcante.

   Primeiro quero falar daquele que eu perdi: o meu pai! Se engana quem acha que o perdi naquela ligação com a notícia da fatalidade ou mesmo na despedida prolongada, dolorosa e absurda do funeral. Ali eu perdi meu pai...outra vez. Não uma única vez. Não pela primeira vez. Eu já havia perdido meu pai dezenas de vezes antes. Perdi pelos abraços que não dei e pelas visitas que não fiz. O perdi pela conversa que evitei e pelas dúvidas que agora foram sepultadas com ele. Eu o perdi quando ele foi embora de casa na primeira vez, mas também eu o perdi quando o expulsei do meu coração anos antes. Eu o perdi quando, ao reencontrá-lo, eu não fui capaz de confessar todo a minha mágoa. Eu o perdi quando não cobrei todas as explicações que eu agora já não posso ter. Mas sim, eu o perdi! e agora pela última vez.
  Eu nem sei direito que tipo de dor sentir. Quando eu chorei, eu não entendi se eu chorei porque o amava ou porque não amava. Ou porque ele não me amava. Ou porque ele me amava e não dizia, ou porque eu não disse que o amava.
  Eu chorei pouco. Eu ainda estou represado pelas coisas que eu não disse e não ouvi. E eu continuo sem dizer qualquer coisa sobre isso em voz alta. Eu ainda não verbalizo esta dor. Desta dor eu ainda não sei o nome.
  Durante os anos de distância, em muitos momentos, eu senti a falta do amor que meu pai poderia ter me dado. E eu imagino que ele tenha sentido a falta do amor que eu poderia ter dado a ele. Quando nos reaproximamos, eu vi que ele tinha muitos amigos. Percebi, com uma certa inveja, que ele amava abertamente estes amigos, assim como eu amo abertamente os meus. E com isso eu chego na segunda coisa sobre a qual eu gostaria de falar. Algo que ganhei: os meus amigos.
  Se engana quem acha que eu os ganhei nessa hora em que algo ruim aconteceu e eles correram em meu socorro. Eu os ganhei antes e por muitas vezes. Nos abraços que dei, nas visitas que fiz e nos segredos que compartilhei. Eu os ganhei pelo esforço de estar presente sempre que possível. Os ganhei quando mantive o coração aberto e quando não desisti de sua amizade. Os ganhei quando admiti que sozinho eu não poderia muito, e quando determinei que não os abandonaria.
   E no fim, foram estes lucros e prejuízos que eu flagrei numa hora extrema.Eu precisava escrever sobre isso. E me corrijo, pois percebo que não são coisas inversas. É tudo sobre o amor. Sobre as possibilidades de redirecionar e compensar o amor.
 " É pai, a gente se desencontrou durante uma vida toda. Mas estão aí nossos amigos pra provar que não nos faltou amor. Existiu e muito. Talvez fosse aquele amor que era para ser  nosso e que a gente acabou distribuindo entre outras pessoas..."


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